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Fundo quer regra clara e menos burocracia para investir no Brasil

Um fundo de participação (FIP) estrangeiro com mais de 300 investidores estava prestes a entrar num negócio de fibra óptica no Brasil, mas ainda não conseguiu concluir a transação porque o administrador da carteira criada aqui para acolher os recursos pediu a identificação de todos os cotistas em documentos reconhecidos por consulado ou apostilados conforme a Convenção de Haia.

Quem faz o relato é Guilherme Cooke, sócio do Cepeda Advogados, que vê no excesso de rigor da Receita Federal um inibidor da vinda de capital externo autêntico para o Brasil num ciclo que promete ser de forte demanda por investimento via mercado. A burocracia exigida pela instituição que presta o serviço de administração é uma resposta ao cerco do Fisco, que já realizou uma série de autuações, para que o brasileiro não use estruturas fora do país para investir localmente como se fosse estrangeiro, valendo-se indevidamente do benefício da isenção fiscal.

Além da burocracia, o que tem incomodado a indústria de private equity é a incerteza. Relatos de gestores de fundos globais são de que a Receita tem solicitado a identificação de cotistas de fundos captados há 10 anos, 15 anos ou inclusive já encerrados. Como globalmente a indústria não entra nesse nível de detalhamento, quem trabalha no Brasil tem relatado que é difícil explicar para a chefia lá fora a razão da mudança de tratamento com a indústria de private equity aqui.

“Estamos falando de alguns dos fundos mais respeitados do Brasil e do mundo, gente que investiu bilhões de dólares no país porque as regras do jogo pareciam claras”, diz Piero Minardi, presidente da Abvcap, associação do setor. “Criando incertezas sobre o passado e tratando fraudadores e gente séria da mesma forma, o país corre o risco de afugentar o tipo de investidor que mais pode contribuir para a retomada da economia.”

Até a Receita Federal publicar a instrução normativa 1.863, no fim de dezembro de 2018, a regra anterior (1.634, de 2016) previa que mesmo fundações ligadas a universidades (“endowment”) e fundos de previdência complementar teriam que identificar todos os investidores finais, de forma a garantir que no bolo não houvesse brasileiros “disfarçados” de estrangeiros.

Na norma de dezembro, que prorrogou por seis meses o prazo para adaptação dos contribuintes, essas entidades ficaram de fora. Em contrapartida, a Receita passou a exigir que os administradores tenham cópia dos documentos dos estrangeiros “consularizados” ou “apostilados”- com o reconhecimento de validade pelo consulado brasileiro no país de origem dos recursos, quando houver, ou o equivalente a um reconhecimento de firma internacional.

“Hoje, o Brasil é o país com as regras mais rígidas do mundo para identificação de beneficiários finais. Em todas as captações de recursos estrangeiros que estamos trabalhando, isso tem sido um problema fortíssimo”, diz Cooke. Ele diz ter casos em que deixam de investir em fundos brasileiros porque o cumprimento desse tipo de regra é economicamente inviável. “O custo para conseguir toda essa documentação supera os US$ 50 mil; o fundo estrangeiro está perto de desistir do investimento.”

Os cuidados e exigências de quem presta o serviço de administração ou custódia dos fundos têm razão de ser, porque a Receita multou instituições que falharam em identificar os investidores finais. “O governo discute reformas, mas existem outras travas, o país ainda impõe uma série de dificuldades para convencer o capital externo a entrar no Brasil” , afirma Cooke.

Um advogado que trabalha para fundos de private equity e prefere não ser identificado avalia que a indústria está reclamando demais. “Me parece que, por óbvio, esses gestores têm que estar preocupados com questões envolvendo, por exemplo, lavagem de dinheiro, e estar preparados para identificar seus clientes”, afirma.

Outro profissional que acompanha o tema ressalta que a indústria está preparada para dar informações desde que haja bom senso. Ele pondera não haver como identificar todos os cotistas de um fundo de pensão ou de varejo, mas é viável dizer quem responde por uma “offshore”.

“A questão é que usar esse instrumento [offshore] é legítimo. E a sensação que fica lá fora é que a Receita presume que seja quase que um indício de fraude. Falta compreensão sobre como funciona o private equity e as cadeias de investimento da indústria”, diz. Segundo ele, o que atrapalha é a zona cinzenta. “Dependendo de qual auditor visita o fundo o, a exigência por informações é diferente. Estão pedindo uma quantidade de documentos que talvez nem a Receita tem condições de avaliar. Se você cria instabilidade sobre o passado, não dá para investir no Brasil.”

O aumento da burocracia se deve às análises de inteligência da Receita Federal brasileira e de outros países, partindo de orientações da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), diz Sabrina Sabaini, do Utumi Advogados. “Toda a questão é se efetivamente é um residente ou não. Estruturar um investimento como se não fosse [brasileiro] e no topo ter o residente, com as trocas de informações entre vários países, a gente sugere que não se faça”, diz. Para ela, a maior fiscalização a alguns tipos de investidores é para que o benefício fiscal que cabe aos estrangeiros seja usado a quem é de direito.

O capital externo tem benefício fiscal para investir em fundos de participações em empresas, títulos públicos, debêntures de infraestrutura e ações no Brasil. Sabrina não vê no aperto regulatório um freio à atração desses recursos, só que vai dar mais trabalho.

Marina Procknor, sócia do Mattos Filho Advogados, lembra que a indústria de private equity é importante para o Brasil, pois traz capital de longo prazo, formaliza empresas, gera empregos e arrecadação. “Os gestores, na esmagadora maioria, são sérios e querem cumprir as regras, como fazem em tantas outras jurisdições. Mas, se queremos manter a atração ou aumentar capital estrangeiro, é importante que as regras sejam claras, estejam adequadas aos padrões internacionais e não haja insegurança jurídica”, diz ela.

Em recente entrevista ao Valor, o chefe da Delegacia Especial de Maiores Contribuintes da Receita, Marcelo Koji, disse que processos já foram abertos tanto em casos de fundos de participação como operações diretas com ações, por meio de corretoras, ressalvando que a Receita não pretende prejudicar o mercado de capitais e que o objetivo não é arrecadatório, e sim fazer cumprir a lei. Apesar das queixas, o Valor apurou que a troca de governo também tem se refletido numa retomada das conversas sobre o tema, o que deve levar a uma regra clara e razoável.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

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